sábado, 13 de outubro de 2018

A BELEZA E A GLÓRIA DO CULTO LEVÍTICO

A Beleza e a Glória do Culto Levítico
Pr. Claudionor de Andrade
Introdução
Em virtude de sua natureza didática e tipológica, o culto levítico tinha de ser majestoso e belo; um reflexo da glória do Deus de Israel. Sua liturgia, por isso mesmo, era para ser vista, ouvida e tocada. Nalguns ritos e cerimônias, até o olfato e o paladar do adorador eram contemplados.
Apesar de tantos recursos pedagógicos, somente alguns vieram a descobrir a essência dos procedimentos levíticos: a plena comunhão entre Deus e o seu povo. Esses raríssimos homens e mulheres tornaram-se conhecidos, na literatura profética, como o remanescente fiel. 
I. O Culto a Deus no Coração Humano
Veremos que o culto divino, para ser perfeito, tem de ser precedido pelo cultivo do coração humano. No âmbito teológico, cultuar e cultivar são sinônimos; harmonizam-se belamente.
1. Definição do culto divino. A palavra “culto” advém do vocábulo latino cultus que, originário do verbo colere,descreve o esmero que o lavrador, na antiga Roma, dispensava a terra, a fim de torná-la arável. Inspirados por essa belíssima etimologia, os romanos não demoraram a associar o cultivo do solo às lides religiosas.
Teologicamente considerado, o culto pode ser definido como as honras, deferências e louvores que o homem, já cultivado pela Palavra de Deus, tributa ao Deus da Palavra. No ato cultual, o homem externa o seu reconhecimento a Deus como o Criador, Senhor e Mantenedor de todas as coisas. Para ser verdadeiro, o culto há de ter como fundamento a doutrina dos profetas e apóstolos, conforme a encontramos na Bíblia Sagrada.
Rigorosamente, os louvores carreados a um ídolo não podem ser considerados culto, pois somente Deus é digno de toda adoração: Ele tudo criou e a tudo mantém. Quanto aos ídolos, que tributos merecem? Logo, o culto a um ídolo não é culto, mas idolatria; algo esdrúxulo, bizarro, grotesco.
Se a criatura tem de venerar o que a criou, conclui-se que o ídolo, por ser criação do homem, deveria adorar a esse mesmo homem. Silogisticamente, o homem está para o ídolo, assim como Deus está para o homem. A diferença é que somente Deus pode criar a partir do nada. O homem limita-se a recriar coisas de matérias e refugos já existentes. É por isso que o ídolo, embora exista, não passa de um objeto vil e desprezível.
2. Jesus e o cultivo do coração humano. O nosso relacionamento com Deus requer cuidados e zelos agriculturáveis. Exige atenção, sabedoria, paciência. Foi por isso que o Senhor Jesus assemelhou a pregação do Evangelho ao semear (Mt 13.3-18). Nessa faina, o Semeador ansiará por obreiros e diaristas, para que uma parte da sementeira, ao menos, venha a germinar (1 Co.3.6).
Mas quem, de fato, está a sulcar o coração humano? O Senhor Jesus responde a essa pergunta com surpreendente beleza: “Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o agricultor” (Jo 15.1, ARA). Se nos voltarmos a Isaías, deparar-nos-emos com o próprio Deus a sulcar o coração de Israel, a fim de fertilizá-lo, para que a boa semente germine: a Palavra da Fé. A descrição do profeta é de uma sublimidade que transcende a poesia.
O cultivo do coração de Israel, levado a efeito pelo próprio Deus, não foi suficiente para reconduzi-lo, naqueles dias já distantes e rebeldes, ao culto verdadeiro. A alma israelita em nada diferia daquele terreno pedregoso e cheio de cardos descrito pelo Senhor na Parábola do Semeador.
Sim, o culto divino tem muito a ver com o cultivo da terra. Para se cultuar a Deus tem de se cultivar, antes, o coração do homem.
Dessa explanação, concluímos que o culto ao Deus Único e Verdadeiro não vinga como as ervas daninhas, nem como o joio que, nem bem é lançado ao solo, alastra-se e já sufoca o bom plantio. O culto divino exige uma lavragem zelosa, paciente e constante da alma; um trabalho que, iniciado com o semeador, prossegue com o que rega e com o que, vigilante e atento, impede o inimigo de lançar a cizânia durante as vigílias solitárias e já tomadas pelas trevas (1 Co 3.6).
3. O coração humano e o conhecimento de Deus. A melhor forma de se cultivar o coração humano encontra-se no livro de Oseias: “Conheçamos e prossigamos em conhecer ao SENHOR; como a alva, a sua vinda é certa; e ele descerá sobre nós como a chuva, como chuva serôdia que rega a terra” (Os 6.3).
Quanto mais conhecemos a Deus, mais aprofundamos a nossa comunhão com Ele. O coração de Moisés estava de tal forma cultivado pela presença divina que, segundo o derradeiro registro do Deuteronômio, ele já não orava ao Senhor, mas, com o Senhor, falava cara a cara (Dt 34.10-12). O conhecimento que o profeta tinha de Deus transcendia o mero assentimento teológico; era algo experimental, profundo e cotidiano. 
4. Os cultivadores do coração humano. Foi para cultivar o verdadeiro culto, no coração hebreu, que o Senhor providenciou profetas, sacerdotes e reis. Cada um desses pedagogos tinha a obrigação de educar o povo na Palavra de Deus e mantê-lo ante o Deus da Palavra. Era uma educação tão perfeita, que levava o israelita a crescer tanto diante de Deus como perante os homens. Samuel, apesar do ambiente em que fora criado, alcançou esse ideal (1 Sm 2.21,26).
Vinha o profeta, e ensinava a nação a guardar os mandamentos divinos. Em seguida, chegava o sacerdote que, intercedendo pelo povo, tornava-o propício diante do Senhor. Quanto ao rei, possuindo este um mandato cristológico, tinha por obrigação sustentar o ofício profético e manter o ministério sacerdotal. Doutra forma, os ministros divinos não teriam condições de desempenhar a sua função. Na Igreja de Cristo, temos obreiros igualmente valiosos, cuja função também é educar-nos na Palavra de Deus (Ef 4.11-16).No ato de congregar, cultivamo-nos mutuamente por intermédio do louvor, da oração, da celebração da Santa Ceia e, principalmente, da exposição da Palavra de Deus. Sem as Sagradas Escrituras, a liturgia é inútil. 
II. O Culto Levítico
O culto levítico é o resultado de um processo litúrgico que, iniciado por Adão, culminou na chamada dos descendentes de Levi, cujo ministério precípuo consistia em zelar pela adoração ao Deus Único e Verdadeiro. Neste tópico, veremos os antecedentes do culto hebreu.
1. O culto adâmico. Se Adão não tivesse dado ocasião ao pecado, suas oferendas a Deus, no Éden, teriam consistido apenas em sacrifícios pacíficos e de louvores. Ao invés de ofertas cruentas, limitar-se-ia ele a apresentar ao Senhor as primícias de seu trabalho no paraíso: a exuberância do reino vegetal.
Ao desobedecer ao Criador, o pai da raça humana percebeu que, além das ofertas de paz, teria de apresentar ao Senhor, também, sacrifícios por suas transgressões. Doutra forma, como poderia ele fazer-se propício diante do Santíssimo Deus? Aliás, na morte do animal, ou animais, cujas peles serviram-lhe de vestes, Adão e Eva vieram a entender o mecanismo da expiação (Gn 3.21).
Adão, apesar de sua culpa universal, jamais deixou de ser tratado por Deus como filho amado (Rm 5.12; Lc 3.38). Sem o seu exemplo de arrependimento e de adoração, os cultos que se seguiram, na História Sagrada, não teriam sido possíveis. 
2. O culto noético. O culto com que Noé servia ao Senhor tinha, como genealogia, uma sequência de homens santos, piedosos e ousados em sua adoração. O primeiro dessa lista foi Abel, cujo sangue clamou da Terra aos Céus (Gn 4.10). Assim como a morte de Estêvão deflagrou o crescimento da Igreja (At 11.19.20), de igual modo acontecera com o martírio de Abel; o seu exemplo foi imitado por homens como Enos, filho de Sete, cuja vida levou a linhagem piedosa de Adão a um reavivamento (Gn 4.26).
O culto de Noé era tão excelente que só poderia ser equiparado ao de Jó e ao de Daniel (Ez 14.14). Aliás, esses foram os três varões mais piedosos de toda a História Sagrada. A adoração noética sobressaía-se pela graça divina e constituía-se num poderoso libelo contra uma geração perversa, corrompida, irrecuperável e blasfema (Gn 6.8,9; Hb 11.7).Sobrevivendo ao Dilúvio e à apostasia de Cam, o culto noético teve, como herdeiros imediatos, a Sem, a Jó e, finalmente, a Abraão, nosso pai na fé (Gn 9.26; Jó 1.1). Cronologicamente, o patriarca Jó precedeu ao patriarca hebreu, pois, em suas lamúrias, cita Adão, mas não menciona Abraão (Jó 31.33).
3. O culto abraâmico. O culto de Abraão teve início quando ele ainda era um gentio como eu e você, querido leitor (At 7.2). Os próprios israelitas, aliás, reconhecem que o seu grande patriarca não passava de um pagão entre outros pagãos (Dt 26.5). Mas, reconvocado em Harã, obedeceu prontamente ao Senhor (Gn 12.1-4). Já firme na fé, pôs-se a peregrinar por uma terra que, embora sua, tratava-o como estrangeiro (Hb 11.9). Mas, para o crente Abraão, o que mais lhe importava era a sua confiança em Deus. Ele sabia que, além de sua herança terrestre, aguardava-o uma cidade, nos Céus, cujo artífice era o Senhor Todo-Poderoso.
O auge do culto abraâmico deu-se quando o patriarca encontrou-se com Melquisedeque, depois de uma renhida batalha contra uns régulos orientais. Ali, na já querida Salém, ele foi reconhecido pelo rei-sacerdote como servo de Deus e legítimo representante do verdadeiro culto (Gn 14.19,20).
Celebra-se, ali, a proto-ceia do Senhor Jesus, unindo, numa única liturgia, os representantes de ambos os testamentos (Gn 14.18). Nessa celebração, encontrava-se já presente, nos lombos de Abraão, o responsável pelo culto oficial de Israel, conforme a interpretação do autor da Epístola aos hebreus: “E, por assim dizer, também Levi, que recebe dízimos, pagou-os na pessoa de Abraão. Porque aquele ainda não tinha sido gerado por seu pai, quando Melquisedeque saiu ao encontro deste” (Hb 7.9,10, ARA).
Para mim, o capítulo 14 de Gênesis é o texto de ouro da religião divina. Nessa narrativa, Melquisedeque ergue-se como sacerdote do Deus Altíssimo. E, nessa condição, traz o pão e o vinho consagrados ao crente Abraão, que, pela fé, celebra a redenção do corpo e do sangue de Jesus Cristo. Ao fazê-lo, mostra a eternidade do sacrifício vicário do Filho de Deus. Naquele ato, Levi, em Abraão, curva-se ao Novo Testamento.
Com base nesse texto sagrado, declaramos que existe apenas uma religião abraâmica: a religião do Deus Único e Verdadeiro. Esta, por seu turno, manifestou-se plenamente na vinda de Jesus Cristo, conforme explica muito bem o autor da Epístola aos Hebreus, na introdução de sua carta. Portanto, considerar o Islã uma religião abraâmica é desconhecer o espírito do Antigo Testamento. Rigorosamente falando, nem o próprio Judaísmo, como hoje o conhecemos, é uma religião abraâmica. Foi o que o próprio Cristo deixou patente aos seus contemporâneos (Jo 8.40).
4. O culto levítico. Herdeiro direto da devoção abraâmica, o culto levítico pode ser definido como a instituição oficial da verdadeira religião confiada a Israel pelo próprio Deus. Seu objetivo não é apenas litúrgico, mas essencialmente teológico, conforme exorta o profeta Oseias aos seus contemporâneos (Os 6.3). Apesar de sua imponência e exterioridade, a adoração levítica é voltada ao interior de cada adorador de Jeová, que sempre buscou estar presente entre o seu povo.
Segundo a narrativa sagrada, o culto levítico foi instituído pela celebração da Páscoa, na noite que precedeu a saída dos filhos de Israel do Egito. E, tendo como fundamento esse fato, conduziu litúrgica, didática e teologicamente os israelitas a se apresentarem ao mundo como um povo escolhido, profético, sacerdotal e real. Um povo, aliás, que deve a sua redenção unicamente a Jeová.     
III. As Finalidades do Culto Levítico
O culto divino, no Antigo Testamento, tinha quatro finalidades básicas: adorar ao Único e Verdadeiro Deus, reafirmar as alianças divinas, professar o credo mosaico e aguardar o Messias. Era uma celebração teológica e messiânica. 
1. Adorar ao Único e Verdadeiro Deus. Ao reunir-se para adorar a Deus, a comunidade de Israel demonstrava duas coisas: a aceitação do Único e Verdadeiro Deus e a rejeição dos deuses pagãos (Sl 86.10; 97.9). Enfim, o culto levítico afastava os israelitas da idolatria e aprofundava a sua comunhão com o Senhor (Sl 96.5). Esse era o teor dos cânticos congregacionais do Santo Templo.
2. Reafirmar as alianças antigas. Se os filhos de Israel, por exemplo, entoassem o Salmo 136, professariam ser herdeiros das alianças que o Senhor firmara com Abraão, Isaque, Jacó e Davi. E, assim, cultuando ao Senhor, lembravam-se de que Deus comanda a História. Em boa parte de seus cânticos, os filhos de Israel relembram a presença de Deus em sua vida familiar e comunal (Sl 47.9). Veja o Salmo 105.

3. Professar o credo divino. Em seus cultos, os israelitas, guiados pelo ministério levítico, professavam o seu credo: “Ouve, Israel, o SENHOR, nosso Deus, é o único Senhor” (Dt 6.4, ARA). Nesta sentença, resume-se toda a teologia do Antigo Testamento. É necessário que voltemos a recitar e a cantar o nosso credo. 
4. Aguardar o Messias. No livro de Salmos, há uma elevada cristologia, que descreve a paixão, a morte, a ressurreição e a glorificação do Senhor Jesus Cristo como Rei dos reis (Sl 22.1-19; 16.10; 110.1-4; 2.1-8). Um israelita crente e predisposto a servir a Deus jamais seria surpreendido com a chegada do Messias, pois o culto levítico era essencial e tipologicamente cristológico.
IV. Os Elementos do Culto Levítico
Em seu auge, o culto divino do Antigo Testamento era composto por estes elementos: sacrifícios, cânticos, exposição da Palavra, oração, leitura da Palavra e bênção. Isso não significa, porém, que todo esse conteúdo estivesse presente em todas as celebrações.  
1. Sacrifícios. O culto inaugural do Santo Templo, que teve início com a chegada da Arca Sagrada, foi marcado por uma grande quantidade de sacrifícios de animais (1 Rs 8.5). De forma sem igual, o rei Salomão e todo o Israel demonstraram suas ações de graças ao Deus de Abraão, Isaque e Jacó.
2. Cânticos. Em seguida, os cantores e músicos puseram-se a louvar ao Senhor, entoando provavelmente os cânticos que Davi e outros salmistas haviam composto (2 Cr 5,12,13). Nesse período, a arte musical de Israel era a mais desenvolvida de toda região oriental. 
3. Exposição da Palavra. Logo após, Salomão dirigiu-se ao povo, fazendo uma síntese da História Sagrada até aquele instante. Ele mostra a clara intervenção de Deus em cada etapa da existência de Israel (2 Cr 6.1-13). 
4. Oração. O rei dirige-se, agora, a Deus em oração, agradecendo-o por aquele momento, e intercede não só por Israel, mas pelos gentios que, ouvindo acerca da intervenção divina na vida de seu povo, para ali acorreriam.
5. Leitura da Palavra. Após o cativeiro babilônico, já no tempo de Esdras e Neemias, a Palavra de Deus começou a ser lida publicamente como parte da liturgia do culto (Ne 8.1-8). Nesse período, os sacerdotes puseram-se também a explicar a Lei ao povo de Deus. Antes disso, a leitura das Escrituras limitava-se aos montes Gerizim e Ebal (Dt 29.11).
6. Bênção. O culto levítico era encerrado com a bênção araônica (Nm 22.6). Ao serem assim abençoados, os filhos de Israel conscientizavam-se de que eram propriedade particular do Senhor. 
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Fonte:  Portal da Escola Dominical

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